domingo, 6 de novembro de 2011

Folha SP: Projeto beneficia pilotos estrangeiros e preocupa brasileiros

Jornal Folha de São Paulo, 1/11/2011, Revista São Paulo

Por Kátia Lessa

Nos corredores dos aeroclubes da cidade e nos intervalos dos cursos de aviação civil, o assunto é um só: o projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que facilita a atuação no país de estrangeiros como pilotos.
Hoje, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o piloto que opera nossas aeronaves deve ter habilitação brasileira –exclusiva de quem nasceu aqui ou foi naturalizado. O estrangeiro só opera no Brasil como instrutor e por até três meses. A disputa esquentou com a possibilidade de o projeto ser aprovado até o fim do ano.
De um lado, estão pilotos que temem perder oportunidades em um mercado que dobrou de tamanho nos últimos cinco anos. Um abaixo-assinado do movimento “Brasil Teu Céu é Nosso”, organizado pelo piloto Marcelo Quaranta, 49, tem mais de 4.000 assinaturas contra a mudança.
“Estrangeiros que vêm de mercados piores vão voar cobrando menos e nosso salário vai diminuir. O pagamento no Brasil é maior do que no resto da América Latina”, afirma.
Na contramão, parlamentares alegam que a formação de profissionais por aqui é lenta e não acompanha o crescimento do setor. Nos últimos três anos, na TAM, o número de aeronaves passou de 129 para 153. Na Gol, o crescimento foi de 106 para 115 no mesmo período –em 2004, a empresa tinha apenas 27 aeronaves.
Apresentado pelo deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e adotado pelo deputado federal Bruno Araújo (PSDB-PE), atual relator, o projeto de lei nº 6.716/2009 busca alterar a lei nº 7.565, de 1986, do Código Brasileiro de Aeronáutica.
Segundo Araújo, a mudança não deve afetar o mercado de trabalho. “O Brasil foi omisso para fomentar a formação de pilotos. O setor cresceu e, com a lei do jeito que está, corremos o risco de ficar sem esses profissionais de uma hora para outra”, afirma.
Ele frisa que a prioridade deve ser de quem nasceu no país. “A contratação do estrangeiro só deve acontecer caso as empresas não tenham opção de trabalhador brasileiro qualificado.”
Quaranta, do “Brasil Teu Céu é Nosso”, questiona como a mudança se dará na prática. “No projeto não há especificação sobre isso. Quais os critérios para julgar se há ou não um brasileiro qualificado para a função?”, diz.
Também contra a alteração, Carlos Camacho, do Sindicato dos Aeronautas, afirma que existem por volta de 600 pilotos brasileiros voando no exterior. No Brasil, são 14.758. Para ele, no lugar de mudar a lei, bastaria oferecer salários melhores para que os expatriados voltassem.
O economista Cláudio Toledo, que analisa o mercado aéreo desde 1986, afirma que os cursos atuais dão conta de suprir a demanda por pilotos. “Só a Anac oferece 300 bolsas de formação por ano, e existem outras centenas de escolas no país. Os dados mostram que são 290 os pilotos contratados anualmente. Se o crescimento continuar no mesmo ritmo, não precisaríamos abrir o mercado”, afirma.
APERTEM OS CINTOS
Contra o projeto, o deputado federal Otavio Leite (PSDB-RJ) diz que a questão principal é a segurança. “Nenhum piloto da [empresa aérea alemã] Lufthansa vai querer vir trabalhar aqui. Nossos salários são inferiores. Abrir o mercado vai atrair profissionais com qualidade duvidosa”, diz.
Para ele, deveria haver mais bolsas e cursos públicos para que a formação de pilotos deixe de ser elitizada. “Hoje, um aspirante à carreira gasta no mínimo R$ 100 mil para se formar.” O curso teórico e as horas de voo devem ser feitos em até quatro anos.
Aluno de aviação civil, Pierre Maquea, 29, concorda com a liberação caso se comprove a habilidade dos pilotos. “Em países como China e Emirados Árabes, os órgãos reguladores avaliam a capacitação dos estrangeiros para que não haja comprometimento da segurança. Isso deveria acontecer por aqui também.”
Neste ano, no Aeroclube de São Paulo, oito estrangeiros fizeram o curso, a maioria portugueses e bolivianos. Eles afirmam que o clima é amistoso. “Fui muito bem recebido”, diz João Carlos Monteiro, 29, de Cabo Verde.
Ele acha “irônico” que brasileiros queiram proibir a atuação de estrangeiros. “Quando a Varig e a Vasp quebraram, muitos buscaram emprego no Qatar ou nos Emirados Árabes.”
O português Pedro Pereira, 27, veio ao Brasil porque o curso era mais barato e agora decidiu se naturalizar e ficar. “O mercado está bom.” O mercado está bom.” Para ele, o país “não precisa temer a qualidade dos gringos”. “Os testes para trabalhar nas boas empresas são rigorosos.”

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