sábado, 12 de janeiro de 2013

O que é o JetTrainer?


Neste post, eu falei um pouco sobre o curso conhecido como Jet Training, e as opções para os residentes em São Paulo que queiram fazê-lo. Agora, vou me aprofundar um pouco mais sobre o que é o curso, para que serve, como ele acontece, e outras informações para os interessados no assunto, já que eu acabei de cursá-lo – fiz o treinamento de 08 a 20 de agosto, na EJ (e esta foi a razão do blog ficar sem novos posts nesse período).
A esmagadora maioria das pessoas matriculadas no Jet Training faz o curso com o objetivo de enriquecer o currículo para entrar como copiloto numa companhia aérea. Hoje em dia, a Azul Linhas Aéreas exige dos seus candidatos sem experiência na aviação comercial ou em táxi aéreo, que tenha o certificado do Jet Training, e em todas as demais companhias, o Jet é um “diferencial” – ou seja: na disputa por uma vaga, o Jet pode ser usado como critério de desempate. Entretanto, o Jet não é uma habilitação formal para o piloto, como é o caso do INVA ou do MLTE, e se existe alguma dúvida se o melhor é fazer o “Jet ou o MLTE” ou o “Jet ou o INVA” (e conheço pessoas com esse dilema), é indiscutível: opte pela habilitação formal, e deixe o Jet para depois. Então, a primeira dica é: só pense em Jet Training se você já tem o PC, o MLTE, o IFR, o INVA (se for o caso de querer dar instrução), e se tiver que escolher entre investir em aulas de inglês para obter acertificação ICAO ou o Jet, sempre deixe o Jet para depois. Jet é bom e importante, mais é o mais supérfluo (no sentido de menos essencial) que existe na formação aeronáutica.
Ok, mas você já fez tudo o que podia em termos de formação aeronáutica, e quer disputar um lugar ao sol na aviação comercial com as melhores chances possíveis. Neste caso, e principalmente se você não possui muitas horas voadas e/ou quiser entrar na Azul Linhas Aéreas, o Jet Training é altamente recomendável. Então, para você uma boa notícia: o Jet Training é um dos cursos mais legais que existem na aviação. Ele vai te mostrar aspectos da aviação que você nunca imaginou existir, e depois de fazer este curso você vai entender a aviação comercial com uma enorme intimidade. O Jet é vendido como um “curso de transição para os jatos”, e é isso mesmo: ele te apresenta o mundo dos jatos das companhias aéreas (ou turbo-hélices, não faz muita diferença), muito diferente do universo “patatango”, que é onde habitam os AeroBoeros, Paulistinhas, Cessninhas, Cherokees, e até os Senecas da aviação geral.
O que eu quero dizer com isso é que, quando alguém se torna PC, essa pessoa na verdade se torna um piloto de “papatango”: mesmo no caso dos multimotores, voam-se aviões simples, passíveis de serem conduzidos por somente um piloto, pouco ou nada automatizados, relativamente lentos, e simples de operar. O voo é “artesanal”, tudo é feito à mão, e o piloto tem que cuidar de todos os aspectos do voo, desde o plano de voo, a inspeção externa, até a fonia, a condução do voo e os procedimentos IFR sozinho. Em contrapartida, experimente entrar na cabine de um Boeing, Airbus, Embraer E-Jet, ou mesmo um ATR: não vai ser difícil perceber que aquele ambiente não tem nada a ver com o “papatanguinho” que você voa, mesmo que ele seja um dos raros equipados com painel “glass cockpit”. Pilotar um avião comercial é um trabalho em equipe: o comandante e o copila trabalham intensamente em conjunto, e também com os DOVs, o pessoal da manutenção, os comissários, além de ter um procedimento muito mais “engessado” que num voo da geral: tem muito mais check-lists para seguir, os procedimentos são muito mais padronizados, e para piorar tem sempre o tal do FOQA te observando para ver se você não se desvia do que é considerado seguro e recomendado pela companhia. É isto o que você aprende no Jet Training.
O curso é ministrado por pilotos ativos e aposentados da aviação comercial. No meu caso específico, que realizei o treinamento para o Boeing 737, os pilotos eram da Gol, Webjet, e um ex-VASP, e imagino que quem faça o treinamento no Airbus A320 pegue (ex)pilotos da TAM e/ou Avianca. A primeira parte é teórica, a maior parte em sala de aula, onde acontece uma espécie de “micro-ground school” do avião em quatro dias, com a apresentação dos sistemas elétricos, hidráulicos, pneumáticos, de combustível, de proteção de fogo, de pressurização, o motor, a APU, o ar condicionado, e os controles de voo. Depois, uma repassada nos conceitos de peso & balanceamento e performance, com as aplicações específicas para o B737. A seguir, a única parte fora de sala de aula, onde é apresentado o simulador in loco, e finalmente uma explicação detalhada do FMS, que é o sistema automatizado de gerenciamento de voo, os computadores que controlam a aceleração, a navegação, o piloto automático, e o voo em si. Em toda esta fase, também se aprende a utilizar os manuais do avião, principalmente o QRH (“Quick Reference Handbook”), que é o manual que se consulta com mais freqüência na cabine. Encerrando essa fase teórica, há uma prova, e em seguida, formam-se duplas para a segunda fase do treinamento, que acontece no simulador.
Os simuladores utilizados nos cursos de Jet Training são estáticos (mesmo a CAE, que possui simuladores do tipo “full motion”, utiliza os equipamentos estáticos para o Jet, por uma questão de custos), mas não tem nada a ver com os simuladores de IFR que todo mundo conhece. Eles possuem cenários projetados, como os AATDs, mas como também existe uma cabine com janelas iguais às reais, têm-se realmente a impressão de estar enxergando um cenário real. De qualquer forma, isso é o que menos importa: o interessante mesmo são os painéis de comandos e instrumentos, todos idênticos ao de uma aeronave real (no caso, um Boeing 737-800NG). A única grande diferença em relação ao avião de verdade é que a manete de aceleração não se mexe sozinha conforme o auto-throttle comanda mais ou menos potência nos motores, mas isso não chega a atrapalhar no realismo da operação. De resto, é tudo igual à realidade, inclusive os alarmes, o barulho das turbinas ou o ruído do trem de pouso se recolhendo ou baixando.
As sessões no simulador – no curso que eu fiz, foram cinco sessões de quatro horas cada uma – são realizadas sempre em duplas, com um fazendo o papel do comandante e o outro do copiloto, e na metade da sessão os papéis se invertem. Os primeiros vôos são normais, depois vão acontecendo panes, como perda do sistema do ar condicionado e da pressurização, ocorrem decolagens rejeitadas, descidas de emergência, até a última sessão, quando ocorre a perda de um motor. Mas o que se treina mais mesmo é a preparação da cabine, muitíssimo mais complexa que a de um “papatanguinho”: são inúmeros check-lists, é preciso se comunicar com a manutenção e os comissários (além dos agentes do tráfego aéreo, comuns na aviação geral), e a quantidade de coisas que precisam ser feitas para que um avião desses possa voar é impressionante. E tem a questão da divisão de papéis entre comandante e copiloto (o popular CRM), uma coisa que não acontece com quem voa “papatango”, operado por um homem só: é muito mais fácil e prático fazer do que pedir para que o outro faça, mas a operação de um grande jato precisa que os dois tripulantes trabalhem em sintonia, e um não superponha o outro e não fique nada sem ser feito. Essa é uma das principais lições do curso.
Eu acredito que o Jet Training seja um divisor de águas na formação de um piloto. Depois de fazer o curso, você entende perfeitamente o que é uma aviação profissional de verdade, sem improvisações, com tudo feito de maneira meticulosamente calculada, em um trabalho em equipe, muito diferente da “aviação artesanal” que se aprende nos aeroclubes. E dá muita vontade, mas muita vontade mesmo, de ir para a aviação comercial. Como disse inicialmente, não é um curso prioritário, mas quem puder fazê-lo, recomendo fortemente.

Fonte: paraserpiloto.com

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